Contei um pouco da minha história com carros antigos no post onde me apresento. Porém, como uma forma de agradecimento, achei justo dar à Volkswagen Brasília 1975 Amarelo Imperial um post separado. Foi ela (sim, por aqui temos o hábito definir o carro Brasília como um substantivo feminino) a responsável por me fazer entrar efetivamente no ramo antigomobilista.
A História deste carro
Meu pai, José Geraldo, é um médico veterinário que dedicou grande parte de sua vida à profissão. Ainda atua fortemente na área, mas já caminha em direção à aposentadoria. Porém tenho certeza absoluta que não abandonará o ofício, pois o faz com amor. Sua dedicação ao tratar os animais de pequeno ou grande porte sempre foi uma inspiração para mim e para meus irmãos, apesar de termos trilhado caminhos completamente diferentes em nossas carreiras.
Meu pai faz visitas recorrentes à fazendas e sítios na região central de Minas Gerais, sempre demandando um carro mais simples na garagem, com o objetivo de enfrentar as estradas de terra batida com um veículo mais apropriado. Colocar o carro de passeio da casa para encarar os buracos, nem pensar. Penso da mesma forma! Meu irmão e eu herdamos dele esta admiração e zelo por carros.
Em um momento oportuno, em meados de 2008, surgiu uma Volkswagen Brasília amarela à venda na cidade. Era um carro de um senhor conhecido e que iria servir para aquela demanda: carro valente, tração traseira, mecânica simples, já com as marcas de sua velhice estampadas em suas latas, parachoques e motor. O melhor: o preço era convidativo. Foi feita a oferta e a Brasília foi parar em nossa garagem.
Tinha pneus altos, com rodagem de Kombi. Tinha uma aranha de plástico pregada no painel, sabe-se lá porquê. Pára-barros protegiam a carroceria na parte de trás das rodas. Basicamente, um carro de gosto bem duvidoso, mas que estava em nível razoável de estado de conservação.
Ninguém pedia opinião. Mas elas vinham mesmo assim
Quem nasceu ou viveu nos anos 1990, sabe bem o que representa uma Brasília amarela. Lembrada por todos os cantos desse país, a banda Mamonas Assassinas fez com que esse carro ganhasse uma áurea diferente: não se passava por lugar nenhum da cidade sem que se ouvisse um verso cantado do sucesso “Pelados em Santos”.
Até ai tudo bem! Era legal! Porém, as opiniões negativas também vinham à cavalo. Meu pai era quem mais escutava: “José, este seu carro é feio demais! Para quê inventou de comprar isto?”
As críticas não afetavam, pois o carro estava cumprindo muito bem o seu papel. Até que certo dia, meu pai decidiu dar um “banho de loja” na Brasília.
A reforma
Sem muitas pretensões, a Brasília foi passar um tempo na oficina de lanternagem e pintura. Lá ela iria receber um tapa na lataria, teria seus assoalhos trocados e receberia, por fim, uma nova pintura. Outra cor? Que nada! A Brasília sairia de lá com o mesmo amarelo estonteante que ostentava desde seu nascimento, em 1975.
Nesta oficina, o carro ficou por um tempo. Um tempo? Uma vida! INTEIRA! Parece que é de praxe: coloque seu carro nas mãos de um mecânico, lanterneiro ou qualquer outro profissional para reforma. Guardadas honrosas excessões, os atrasos são fatos reais difíceis de não se ver quando está se reformando um carro antigo. Confesso já não lembrar ao certo quanto tempo ela ficou por lá. 1 ano ou mais!
Neste meio tempo, meu irmão Luiz Otávio, meu pai e eu começamos a discutir sobre o que seria deste carro, já que um investimento estava sendo feito e o carro, em tese, ficaria mais vistoso e chamativo. Optamos por resgatar a essência da Brasília. Lanternas lisas, um novo tabelier (painel interno onde vai o hodômetro e outros mostradores), calotas, retrovisores e mais outros acessórios e peças para composição do visual original do modelo.
Quem mora em Belo Horizonte sabe o que é a Avenida Pedro II. Cruzamos aquela região de cima a baixo, em sol escaldante a fim de encontrar estes materiais. Muito pouco sucesso! Encontra-se peças de Fusca aos montes. De Brasília, quase nada.
Descobrimos à época o poder da internet. Era tudo novidade, pois nunca tínhamos passado por uma reforma de carro antigo com escassez de peças. Sites de São Paulo que entregavam para todo o Brasil foram nossa salvação. Encontramos praticamente tudo que precisávamos. Porém, obviamente, nada era genuíno. Todas eram peças alternativas, de fabricação moderna. Um desafio à parte na hora de montar no carro, já que os materiais são completamente diferentes dos que a marca alemã fazia nos idos anos 1970.
De volta à ativa
Lutas concluídas, a Brasília amarela voltava a ostentar seu brilho original pelas ruas da cidade. A parte que criticava passou a admirar. Se alguém não gostou do resultado, nunca nos disseram. Mas sim, aquele que era um mero “carro de ir para a roça” virou uma “joia rara” e esta nem era a intenção inicial.
O carro ficou tão bonito que resolvemos pesquisar um pouco mais sobre os clubes de autos antigos da região. E sobre a tal placa preta. Como entusiastas apaixonados por carros, já tínhamos ouvido falar a respeito, mas nada muito completo, com detalhes.
Meu pai entrou em contato com o Veteran Car Club de Belo Horizonte, o único clube federado à FBVA (Federação Brasileira de Veículos Antigos) apto a certificar carros originais de coleção em BH naquele período.
Em outro post, pretendo falar um pouco sobre os critérios para a chancela da placa preta. É um processo, a meu ver, muito subjetivo e às vezes controverso. Mas isso é assunto para outro momento.
Me lembro de chegar a BH, no final do ano, para a vistoria. Luiz Otávio, meu pai e eu não tínhamos grandes pretensões. A intenção principal era fazer o carro passar pelas mãos do inspetor e ter um feedback do que precisávamos mudar ou ajustar.
A surpresa
“Deu!”
No momento em que escutamos esse comentário, interjeições tomaram conta de nossos cérebros. Os sorrisos estampados uns para os outros era sinal de que um processo longo e sem muita expectativa tornou-se o primeiro veículo de coleção da nossa família. Era uma mistura estranha de surpresa com orgulho, pois nossa pesquisa e o projeto realizado chegaram a um resultado. No dia, salvo engano, a Brasília alcançou 84 pontos na vistoria. Eram necessários 80 para a certificação.
A experiência foi muito agradável pois, além de tudo, conhecemos outros proprietários com belíssimos carros no mesmo dia. Uma oportunidade ímpar!
Após a placa preta, passamos a frequentar encontros em Belo Horizonte, Itabirito e toda região central de Minas Gerais. Até que, em 2013, nos veio a missão de montar o nosso próprio encontro de carros antigos.
“Minha Brasília Amarela…”, obrigado por tudo que representou em nossa história. Você é peça responsável pela fundação do Clube Itabirito de Carros Antigos e por nos ter feito ingressar em um universo tão prazeroso como este, chamado antigomobilismo.